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Palavra Episcopal: Desafio da formação


Boa parte de minha vida tem transcorrido em seminários e casas de formação. Após minha ordenação presbiteral, tive pouco tempo de afastamento das casas de formação – apenas um ano. A época era de urgência. Com a dissolução das casas de formação do tipo, digamos, pré-conciliar, nossa geração foi chamada muito cedo para assumir cargos e responsabilidades. Sem tempo para uma formação específica, essa geração teve que improvisar. Em alguns momentos, essa improvisação produziu melodias lindas e inusitadas, merecendo aplausos; em outros, porém, apenas ruídos desagradáveis.

Para diminuir esses ruídos, nas décadas posteriores ao Concílio Vaticano II, organizaram-se dentro da Igreja vários cursos de treinamento para formadores de seminário.

Em 1976, tive a oportunidade de participar, em Itaici-SP, de um curso promovido pela CRB. Quem o ministrou foi padre Luigi Rulla. O contato com os resultados das pesquisas de padre Rulla e com sua teorização provocou em mim reações de alegria e de espanto. Alegria, porque coincidiam com minhas experiências e intuições; espanto, porque desnudavam fragilidades e pretensões, tanto pessoais como de nossas instituições.

Padre Rulla começou dizendo que na base de todo projeto formativo – queiramos ou não; sejamos ou não conscientes – há, inevitavelmente, certa imagem do sujeito em formação. É a partir dessa imagem que se articula o plano de formação.

Muitas vezes, acontece que nós formadores temos uma concepção antropológica não suficientemente definida. A consequência é que teremos projetos formativos inadequados e aproximativos.

Pode acontecer também que caiamos em unilateralismos. Na história da espiritualidade e da ascética, bem como das várias disciplinas que se referem à pessoa humana, surgem frequentemente posições radicais. No campo psicológico, por exemplo, parece evidente a diferença entre a antropologia freudiana e a rogeriana. A primeira, negativa e pessimista, vê a pessoa humana sempre às voltas com suas tendências instintivas inconscientes; a segunda, positiva e otimista, entende que a pessoa humana seria naturalmente boa e capaz de escolher adequadamente seus valores. Essas duas perspectivas fazem surgir maneiras diversas de realizar a formação.

Existe – ou existiu – um modelo educativo bastante rígido, inspirado no controle, sutilmente marcado pela desconfiança em relação ao educando; como também existe um modelo que dá por suposto que uma pessoa, pelo simples fato de ter sido chamada por Deus, já tem disposições interiores adequadas e é capaz de escolher o bem real, não necessitando de particulares limitações e sim de encorajamento para expressar o melhor de si, para assim alcançar a realização.

Padre Rulla recolhe as aquisições recentes da pesquisa científica, ao mesmo tempo em que procura ser fiel à tradição ascética e teológica da Igreja.

O que ele diz?

Conforme as aquisições científicas recentes, a pessoa humana não se enquadra em nenhum esquema antropológico simplista. A pessoa humana é ambivalente. E o é por natureza, por constituição. Ela é, ao mesmo tempo, atraída pelo bem e pelo mal; aberta ao absoluto, mas tentada pelo relativo. Há na pessoa humana, em toda ela, uma dialética de base não ligada à cultura, ao caráter, à má vontade. Trata-se de uma dialética ontológica e constitucional. Ora, tal afirmação ajusta-se muito bem ao que tem vivido e afirmado a tradicional ascética e mística cristãs.

Poeticamente, poderíamos expressar essa realidade nas palavras de Pascal: L’homme n’est ni ange ni bête et qui veut faire l’ange fait la bête – A pessoa humana não é nem anjo nem animal; e quem quer fazer dela um anjo a transforma em um animal.

Dom José Belisário, arcebispo metropolitano de São Luís do Maranhão

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