Como bispo, muitas vezes sou convidado a fazer prefácio ou algum comentário de livros e outras publicações. Recentemente, frei José Rodrigues de Araújo, frade capuchinho mais conhecido como frei Rodrigo, maranhense de Tuntum e atualmente pároco da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro da Cohab, me apresentou o original de um livro, pedindo-me um comentário. Título do livro: Uma viagem ao mundo dos frades. Conteúdo: crônicas de episódios por ele vividos na Província Franciscana Capuchinha Nossa Senhora do Carmo. Essa província tem mais de cem anos de história, durante os quais se podem narrar atos de verdadeiro heroísmo por parte de seus frades. Fundada no início do século passado por frades italianos provenientes da Lombardia, estende-se pelos estados do Maranhão, Pará e Amapá. Sua sede localiza-se aqui em São Luís, no antigo Convento do Carmo.
Ao fazer Uma viagem ao mundo dos frades, frei Rodrigo retoma uma constante na vida e na espiritualidade franciscana. O humor, a irreverência e até um pouco de malandragem estão presentes já na vida de São Francisco e de seus primeiros companheiros e percorrem os mais de oitocentos anos de história dos seguidores do poverello de Assis.
De São Francisco e dos seus primeiros companheiros se contam historietas nas quais se misturam o cômico e o patético, o vil e o sublime. A segunda geração franciscana, isto é a geração do final do século XIII e início do século XIV, reuniu vários dessas historietas – ou causos, como diríamos na linguagem popular – em um livro ao qual se deu o nome de I Fioretti. Quando o poeta simbolista Durval de Morais traduziu essa obra – aliás muito bem traduzida, conservando todo o sabor da linguagem medieval –, optou por não traduzir o título original, que em Português soaria Florinhas ou Florezinhas, preferindo conservar o inconfundível e universalmente conhecido termo italiano.
“Humor, coisa difícil de ser entendida por pessoas autoritárias e inseguras”, escreve o também franciscano frei Francisco van der Poel em seu “Dicionário da religiosidade popular”. De fato, pessoas e regimes autoritários – tanto da direita como da esquerda – detestam o humor. Certamente, pelo fato de o humor ser uma arma importante para resistir aos abusos do poder, como também é importante para superar as horas de grande sofrimento que, por vezes, a vida nos impõe.
O livro de frei Rodrigo nos traz cerca de três dezenas de Fioretti de sua própria vida e da vida de seus confrades. São casos realmente acontecidos que, enquanto nos provocam um leve sorriso no canto dos lábios, nos fazem também refletir sobre o vício e a virtude, como diria São Francisco.
Que o leitor, assim como eu, tenha momentos agradáveis ao percorrer os causos de frei Rodrigo. Quem sabe, possam eles nos fazerem pessoas melhores, mais generosas, mais compreensivas? É o que eu desejo.