Dom José Belisário da Silva
Arcebispo Metropolitano de São Luís
Dois ícones nos ajudam a compreender o conteúdo e a mensagem da Campanha da Fraternidade deste ano. Primeiramente, o cartaz que retrata a santa brasileira, recentemente canonizada, a Santa Irmã Dulce. Ela é alguém que não fechou os olhos frente ao sofrimento de crianças e idosos, de doentes e desvalidos. Como boa samaritana, movida de compaixão, ela cuidou deles. O segundo ícone representa a parábola do Bom Samaritano. Nesta, há dois tipos de olhar. Há o olhar da indiferença, que é o olhar do sacerdote e do levita – eles viram o homem caído à beira do caminho, mas “passaram adiante”. E há o olhar de compaixão, que é o olhar do samaritano – “Ele viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.
Quando fiz o noviciado na Ordem Franciscana, ao estudar a mística e ascética cristãs, me deparei com um dom que, a princípio, me causou estranhamento. Era o chamado dom das lágrimas. Choro e pranto sempre me pareceram como algo negativo. Pouco a pouco, fui descobrindo que temos motivos de sobra para chorar.
Primeiramente, é preciso tomar consciência de nossa condição humana. A vida humana é breve e frágil. É como a erva do campo, diz o salmo, que de manhã floresce, mas de tarde, fica seca e morre. Além disso, está sujeita a equívocos, erros e a maldades. É preciso repetir continuamente com o salmista: “Perdoa, Senhor, as minhas faltas, também as que não vejo”.
Tempo da Quaresma é para nós tempo de chorar nossos pecados pessoais e os pecados do mundo
O dom das lágrimas tem a ver com a sensibilidade diante do sofrimento e da dor. Trata-se de, não só ver o sofrimento, mas de com-padecer, de mover-se de compaixão e de tomar providências para que este sofrimento e dor possam ser superados.
No início de seu pontificado, em julho de 2013, o Papa Francisco quis ir à ilha de Lampedusa, no sul da Itália. Essa ilha, por estar muito próxima da costa africana, costuma ser a meta de chegada de refugiados da fome e da miséria, provenientes do norte da África, ou melhor, a meta dos que sobrevivem à travessia, pois grande parte deles encontra nas águas do Mediterrâneo o seu túmulo.
Em sua homilia, o Papa denunciou:
Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isso; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do levita de que falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: ao vermos o irmão quase morto na beira da estrada, talvez pensemos “coitado” e prosseguimos o nosso caminho, não é dever nosso; e isto basta para nos tranquilizarmos, para sentirmos a consciência em ordem. A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa!
Na mesma homilia, o Papa Francisco afirma que nosso mundo perdeu a capacidade de chorar. Por isso, é preciso pedir ao Senhor o dom das lágrimas. “Peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, incluindo aqueles que, no anonimato, tomam decisões socioeconômicas que abrem a estrada aos dramas como este”.
Tempo da Quaresma é para nós tempo de chorar nossos pecados pessoais e os pecados do mundo. A vida é um dom de Deus, mas também é um compromisso. Cuidar dela é uma maneira de agradecer este dom.
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